sexta-feira, 18 de junho de 2010



...Existe um ser que mora dentro de mim como se fosse a casa dele, e é.
trata-se de um cavalo preto e lustoso que apesar de inteiramente selvagem
pois nunca morou antes em ninguém nem jamais lhe puseram rédeas nem sela
apesar de inteiramente selvagem tem por isso mesmo uma doçura
primeira de quem não tem medo: come às vezes na minha mão.
Seu focinho é úmido e fresco, eu beijo o seu focinho...
quando eu morrer, o cavalo preto ficará sem casa e vai sofrer muito,
a menos que ele escolha outra casa e que esta outra casa não
tenha medo daquilo que é ao mesmo tempo salvagem e suave,
aviso que ele não tem nome: basta chamá-lo e se acerta com seu nome.
ou não se acerta, mas, uma vez chamado com doçura e autoridade, ele vai.
se ele fareja e sente um corpo-casa é livre, ele trota sem ruídos e ai.
aviso tambem que nao se deve temer seu relinchar:
a gente se engana e pensa que é a gente mesma
que está relinchando de prazer ou de cólera,
a gente se assusta com o excesso de doçura do que é isto pela primeira vez.
(Clarice Lispector)
Ps:Tanta beleza e ternura chorei Clarice...

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